A MEMÓRIA DO SILÊNCIO
O Alzheimer na Visão da Medicina Tradicional Chinesa
Autor: Carlos Aurélio da Silva Pereira
Este livro nasce como uma oferenda: a todos os que caminham pelo nevoeiro do Alzheimer, aos que cuidam e aos que são cuidados, aos que recordam e aos que já não precisam recordar. É um convite a olhar o esquecimento como parte do ciclo da vida um movimento da consciência a dissolver-se na luz. Porque, no fim, quando o último nome se apaga, o que permanece é o brilho do Shen, silencioso, pulsante, infinito.
📥 Ler 📤 Compartilhar📘 Informações Técnicas
ISBN: 978-65-5255-132-0
Ano de publicação: 2025
Editora: Editora Humanize
Páginas: 64
DOI: 10.29327/5720773
🧾 Como citar este livro (ABNT)
📖 Prefácio
Há um instante em que a mente se desfaz em bruma, e o nome das coisas começa a dissolver-se no ar. É então que o ser humano, despojado da palavra, regressa ao ventre da criação. O Alzheimer não é apenas o apagar da memória é o regresso à origem da consciência, ao ponto onde o pensamento ainda não se separou do sentir.
Vivemos convencidos de que somos o que recordamos, mas talvez sejamos, sobretudo, o que permanece quando tudo se esquece. Por trás da névoa que cobre os olhos, há ainda uma presença que respira. Mesmo quando o nome do filho se perde, mesmo quando a casa já não é reconhecida, algo mais profundo continua ali um fio invisível que liga o coração ao universo. É esse fio que a Medicina Tradicional Chinesa chama de Shen, o espírito que habita o sangue e se reflete no olhar.
O Alzheimer é o crepúsculo desse brilho o momento em que o Shen se afasta do Coração e começa a vagar entre mundos. Mas esse afastamento não é abandono: é transformação. O espírito, cansado da densidade da forma, procura refúgio no silêncio. O corpo torna-se templo de uma outra linguagem lenta, sem lógica, mas cheia de sentido. Cada gesto, cada murmúrio, cada olhar perdido carrega uma sabedoria antiga: a sabedoria de quem já não precisa lembrar para ser.
Na visão energética, o esquecimento é o eco de um esgotamento profundo do Jing, a Essência que reside nos Rins e guarda a memória ancestral. Quando o Jing se consome, o tempo interior desorganiza-se. O corpo esquece o ritmo das estações, a mente esquece o caminho das palavras, e o espírito começa a regressar à sua casa primordial. A medicina chama a isso degeneração; a alma, talvez, chame de retorno.
O Alzheimer é o espelho da nossa época um tempo em que o excesso de informação escondeu o silêncio, e o brilho dos ecrãs apagou o brilho do Shen. O esquecimento individual reflete o esquecimento coletivo: esquecemo-nos de sentir, de respirar, de confiar. Perdemos o ritmo da Terra e o compasso do Céu. E talvez, nas dobras dessa doença, o corpo esteja apenas a dizer-nos que é preciso abrandar, que é preciso recordar o essencial aquilo que nunca se perde, porque nunca dependeu da mente.
Há quem veja o Alzheimer como tragédia. Mas, se olharmos com os olhos do coração, veremos nele uma delicada metamorfose. O ser humano que se esquece regressa à infância da alma: volta a ser puro, vulnerável, inteiro. O mundo, que antes era um mapa de nomes e significados, torna-se um campo de sensações.
